quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O templo da moda

Disse, o Mestre, que no passado o sistema masculino considerava as mulheres uma classe inferior, amordaçara-as, queimara-as, apedrejara-as. Com o tempo, elas se libertaram, resgataram parcialmente seus direitos. Fez uma pausa nas suas idéias e citou o número ''um''. Fiquei inquieto com a citação numérica no meio do diálogo. O mestre comentou que as mulheres começaram a votar, brilhar no mundo acadêmico, crescer no mundo corporativo, ocupar espaços nos mais diversos territórios sociais; as mulheres tornaram-se cada vez mais ousadas. Com eficiência, começaram a mudar algumas áreas vitais da sociedade, a introduzir tolerância, solidariedade, companheirismo, afeto e romantismo. Mas o sistema não as perdoou pela audácia.
Preparou pera elas a mais cafajeste e sorrateira das armadilhas. Em vez de exaltar sua inteligência e not´ria sensibilidade, começou a exaltar o corpo da mulher como nunca na história. Usou-o exaustivamente para vender produtos e serviços. Aparentemente elas sentiram-se bem-aventuradas. Parecia que as sociedades modernas estavam querendo compensar milênios de rejeição. Ingênuo pensamento!
- Quando as mulheres se sentiam no trono do sistema masculino, o mundo da moda as aprisionou no mais grave e sútil estereótipo!- E citou o número ''dois'', profundamente triste.
[...]
Usamos os estereótipos como um padrão torpe para tachar as pessoas com determinados comportamentos. Não avaliamos o conteúdo psíquico delas: se possuem determinados gestos, imediatamente as aprisionamos na masmorra do esterótipo, classificando-as. Os estereótipos reduzem a dimensão humana.
-O estereótipo do belo, no mundo da moda, começou a ser formado pela exceção genética. Que desastre! Que injustiça!- Indignou-se o Mestre.- Para maximizar as vendas e gerar uma atração fatal entre as mulheres, o mundo fashion começou a usar o corpo de jovens completamente dora do padrão comum como protótipo de beleza. Uma entre dez mil jovens de corpo magérrimo e fácies, quadris, nariz, busto e pescoço estritamente bem torneados tornou-se ao longo dos anos o estereótipo do belo. Que consequências no inconsciente coletivo! Esse processo gerou, em centenas de milhões de mulheres, uma busca compulsiva do estereótipo, como se fosse uma droga. Elas, que sempre foram mais generosas e solidárias que os homens, se tornaram, sem perceber, carrascas de si mesmas. Até as chinesas e japonesas estão mutilando sua anatomia para se aproximar da beleza das modelos ocidentais. Sabiam disso?
De repente, ele interrompeu o pensamento de todos citando, consternado, o número ''três''.
[...]
Um estilista o interpelou tensamente:
-Isso é folclore. Discordo das suas idéias.
-Gostaria que fosse. Quem dera minhas idéias fossem tolas- E citou o número ''quatro''.
Nesse momento, uma jovem perguntou, incomodada:
-Por que cita números enquanto fala?
Com os olhos embebidos de lágrimas, disse a todos:
- Lúcia, uma jovem tímida, mas versátil, criativa, excelente aluna, está com 34 kg, embora tenha 1,66 metros de altura. Seus ossos saltam sob a pele, formando uma imagem repulsiva, mas ela se recusa a comer com medo de engordar. Márcia, uma jovem sorridente, extrovertida, uma menina encantadora, está com 35kg e tem 1,60 de altura. Sua face cadavérica leva seus pais ao ápice do desespero, mas ela do mesmo modo se recusa a se alimentar!
[...]
Fez uma pausa, olhou atentamente e disse:
-Durante a minha fala, quatro jovens desenvolveram anorexia nervosa. Algumas superam seus transtornos, outras o perpetuam. E se vocês perguntarem a elas por que não comem, ouvirão: ''Porque estamos obesas''. Bilhões de células suplicam que se alimente, mas elas não tem compaixão com seu corpo, que não tem força para fazer exercícios físicos nem para andar. O desespero para alcançar o estereótipo do belo fê-las adoecer profundamente e estancou o que jamais conseguimos estancar naturalmente: o instinto da fome. [...] O sistema social e astuto, grita quando precisa se calar e se cala quando precisa gritar. Nada contra as modelos e os inteligentes e criativos estilistas, mas o sistema se esqueceu de gritar que a beleza não pode ser padronizada. [...] Onde estão as gordinhas nos desfiles? Onde estão as jovens com quadris menos bem torneados? Onde estão as mulheres de nariz saliente? Por que o mundo fashion que surgiu para promover o bem-estar, está destruindo a autoestima das mulheres? Essa discriminação socialmente aceita não é um estupro da auto estima? Não é tão violenta quanto a discriminação contra os negros?





(Trecho retirado do livro ''O vendedor de sonhos'' de Augusto Cury)

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